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AGENDA

01/11/08

Mircea Eliade - Diário Português

Traduzido do romeno, disponível em português, editado pela Guerra & Paz. É o Diário Português de Mircea Eliade, correspondente ao período em que foi adido cultural da Embaixada da Roménia em Lisboa, nos anos da Segunda Guerra.
É um livro comovente, trágico pelo período histórico em que é escrito, sofrido pelo turbilhão de sentimentos em que o seu autor se envolve, controverso porque não há ângulo das suas reflexões, do seu psiquismo, das suas ânsias e pavores íntimos que dêem trégua ao leitor.
Tudo o que no humano é agónico está ali. Ao conformismo burguês, para quem as águas paradas da tranquilidade são consolo, mesmo quando palustres os afectos, e o sangue estagnado da vida por viver, seiva, mesmo quando gangrenado o espírito empreendor, este livro seguramente ofende: nada como o que é grande e generoso para gerar no outro o sentimento recriminador da pequenez mesquinha, ainda que mascarado pelo desprezo.
Mircea vive entre crises de casto misticismo pan-religioso e tendências orgiásticas permanentes, mistura venenosa que vai macerando no almofariz do seu profundíssimo amor por Nina, que lhe morre ao longo de cada página, numa agonia lenta, pontuada pelo repicar dos sinos da Igreja de Fátima, perto da qual, na Avenida Elias Garcia, viveram, os últimos anos em penúria económica. Poucos leitores se conseguirão equilibrar entre as fantasias e os remorsos pelo que surge, sugerido como através de um véu, numa escrita inconfessável, um perfume de libido triste.
Pior sucede para aqueles que na política vêem o princípio e o fim do único critério possível, incapazes de entenderem que o seu patriotismo tenha vivido em sobressalto constante ante a sujeição de Churchill a Estaline, a esperança de que Adolph Hitler conseguisse extirpar o paganismo eslavo, cuja vitória significaria para ele o fim desse enclave de latinos do oriente que foi a sua Pátria, a Roménia: por causa disso, quantos se recusarão a ler uma linha que seja do fascista, para o qual não pode haver sequer o benefício da compreensão. E, no entanto...
Naturalizado americano, por ter emigrado depois da passagem por Lisboa para Chicago, onde faleceu, o autor de O Sagrado e o Profano deu vida a uma vastíssima obra: a mais conhecida é sobre a história das religiões, a mais profunda sobre as filosofias orientais, a alquimia, as sociedades iniciáticas, o ioga e tantas outras facetas do humano, do divino, do terreno.
Nas citações fáceis, Mircea Eliade é conhecido vulgarmente pela doutrina do eterno retorno. Eis o que se sente ao terminar a leitura deste livro: o desejo de que a vida nos volte, primitiva, possível, renovável.
Estão nestas linhas a raiva de Nietzshe, a inquietação de Kierkegaard, o homem ante o espelho da sua existência. São migalhas de uma mesa repleta de um farto banquete.
jab

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