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AGENDA

01/02/09

Faro e as sua livrarias

post de Pedro Graça, no blog A Defesa de Faro

Se não me engano, George Steiner disse uma vez que a cultura europeia devia muito aos seus cafés. Pois eu acho que uma cidade deve muito às suas livrarias. Cidades com livrarias a sério são cidades para serem levadas a sério. Cidades onde eu sinto que pertenço e onde existe uma determinada afinidade. Uma afinidade indizível com gente que desconheço mas que passeia o olhar da mesma forma por uma prateleira. Se existir um café por perto e jornais então eu estou em casa, definitivamente. Claro que algumas casas são fatais. Subir a escadaria de madeira da Lello no Porto é incomparável, assim como é entrar na Simon Finch Rare Books em Londres e "tocar" em primeiras edições de Joyce ou Graham Greene. Este gosto pelo cheiro do papel talvez o tenha ganho nas minhas entradas madrugadores no Carapucinha ali ao lado de casa, a pretexto de qualquer coisa, e mais tarde na Bertrand ou na Europa-América, quando cada livro era mesmo uma aventura, desde Salgari até Júlio Verne e tudo se lia enquanto o relógio fazia o favor de parar.

Com a chegada da Universidade a Faro tive a presunção de que na cidade iriam proliferar livrarias e cafés e as tertúlias se iriam refazer e a discussão académica daria lugar a uma cidade mais dada ao sonho e à criatividade. Mas houve alguém que decidiu afastar os estudantes para o seu gueto e esqueceu-se de os ligar à cidade. E assim cresceu o Montenegro e assim também cresceu o ensino universitário em Portugal, mais dado à cerveja do que ao café. E quando dei por mim, os 10 000 estudantes, 700 docentes e 400 funcionários da Universidade do Algarve não tinham conseguido sequer fazer aparecer um conjunto mínimo de procura cultural (ou vice-versa) que justificasse o crescimento de um qualquer "quartier" cultural na minha cidade. Talvez o mais parecido tenha sido mesmo a falecida Rua do Crime. Malfadada sorte.

Agora, no momento em que o Pátio de Letras desponta e outras colectividades culturais teimam em sobreviver, ouço as palavras do Presidente da Fundação Serralves que propôs ao Governo uma plano baseado nas potencialidades do sector cultural e das indústrias criativas para enfrentar a crise. António Gomes Pinho, defende que uma maior aposta na cultura iria permitir criar centenas de postos de trabalho na região. No Porto, depois do despovoamento da Baixa pelo erro histórico (a somar a outros) de lá tirar a Universidade, a Baixa recompôs-se por causa da indústria cultural que conseguiu atrair pessoas e empregos (quem diria…).

Nestes momentos de crise, em que as soluções são todas ao contrário e em que, em teoria, a cidade de Faro possui uma imensa massa disponível para a cultura e a fruição desta (única no Algarve) não se percebe a não aposta a sério nos equipamentos culturais com gente que tem vindo a demonstrar capacidade de gestão, independentemente da sua cor política.


ALGUNS COMENTÁRIOS:

Ana L. 8:00 PM, Janeiro 31, 2009

Pois Pedro, não se percebe mesmo. Temos o ouro tão perto e tão longe. Eu também gosto muito de livrarias que correm o risco de fechar com a internet e com toda a gente isolada a ler no seu canto. Mas estes espaços têm de se transformar e tornarem-se em locais de convívio e das artes. Precisamos de falar uns com os outros e aproveitar o facto de vivermos neste cantinho com um clima excepcional. Os nórdicos já convivem mais do que nós. Andamos tão pessimistas e sempre a dizer mal de tudo sem tentarmos arranjar soluções. Parabéns pela sensibilidade e pelo facto de não ter medo de se expôr.

luis alexandre 1:14 AM, Fevereiro 01, 2009

Mais um excelente texto de reflexão.
São estas ideias que me vão mantendo ligado a este blogue, onde se passeiam, a propósito de alguns temas, muitas ideias de quintal, diferindo na cor política dos interesses pessoais.
A investigação e o conhecimento, são os motores da vida. Sem eles não há progresso.
Então, porque é que à semelhança do salazarismo, a democracia parlamentar burguesa aposta no mau ensino, numa política cultural para elites e endinheirados e despreza os apoios consistentes às associações e colectividades que pretendem prestar serviço voluntário de cultura e de avivamento das raízes populares.
A cultura não deveria ser encarada como um negócio, mas como o motor de todas as transformações.
Talvez por este motivo, os governos portugueses deixam sair a maior parte dos nossos investigadores.
Ultimamente, criou-se um Plano nacional de Leitura, que se diz oficialmente, tem dado bons resultados. Mas teriam melhores resultados se o Estado criasse um plano adicional de associar a participação dos escritores e poetas portugueses.
Custa muito dinheiro? Nada de importante, comparável com os resultados que podemos obter.
Não admira que as Livrarias estejam a desaparecer da vida das cidades e vilas de Portugal. Os livros passaram a ser vistos como um negócio e nenhum ministro deste País ainda percebeu a necessidade de inverter este rumo cinzento, num mundo cada vez mais global e assente na investigação de servidão das políticas concentracionistas, especuladoras e individualistas.
Os livros circulam em circulos reduzidos e as tentativas altruistas, tipo Páteo das Letras, que resultam de lutas de resistência contra um mundo que nos oprime, podem vir a cansar por razões económicas.
A cultura, historicamente, sempre pagou um preço muito alto para existir e não me parece que nos tempos que vivemos, tenha mudado uma virgula.
A cultura pode ser desprezada mas está viva, num livro velho, numa casa tradicional, numa nora, numa peça de arte, nas memórias de um bisavô e os seus candidatos a algozes vão ter sempre razões para desesperarem.

Pedro Graça 4:29 PM, Fevereiro 01, 2009

Caro Luís Alexandre,
Participante atento. Obrigado pelas suas palavras e acrescentos de qualidade. De facto, quando a sociedade europeia (sem rumo nem liderança) decidiu copiar o modelo asiático de produzir barato a qualquer custo, uma das coisas que nos foram retirando foi o tempo. E a leitura exige tempo, dedicação, esforço, organização. Como tudo na vida que vale a pena. Talvez a luta que valha a pena ter, nos tempos actuais, seja contra quem nos rouba tempo de qualidade. Desde quem nos manda ir viver para as periferias ou comprar comida a quilómetros de distância até quem toma essas decisões tantas vezes: nós próprios. Nos tempos que correm em Portugal, ler arrisca-se a ser um luxo. Uma perda de tempo considerável que a maioria pensa não poder ter. E curiosamente, quanto mais uma sociedade ler, mais facilmente conseguirá superar as suas dificuldades. No meio deste paradoxo e da presente crise social, os poderes públicos têm uma palavra e uma responsabilidade que está assinalada no texto. A ver vamos, nomeadamente em Faro.


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